sábado, 17 de julho de 2010

Impar + impar = par

"Desde pequenos vemos o ímpar com olhos não tão bons quanto aqueles com os quais vemos o par. Nas aulas de Matemática, os números ímpares são sempre os mais chatos, porque qualquer par é divisível por dois. O ímpar não divide tão fácil, dá conta quebrada, quebra a cabeça, é mais complexo. Talvez aí esteja a graça.
Na sociedade também é assim, por isso ela só sabe viver em par: é mais simples. Ser ímpar é um desafio e tanto. Sopa de pacotinho serve 2 ou 4 pratos; as salas de jantar têm 4, 6 ou 8 cadeiras; os assentos díspares que não foram vendidos permanecem sempre vazios nos shows; quando entramos sozinhos em um restaurante os garçons sempre perguntam “está esperando alguém?”; os aparelhos de jantar têm 12 ou 24 peças; qualquer promoção em rádio presenteia com “um par de ingressos” e por aí vai.
Aí reside o x da questão: as pessoas não estão preparadas, ainda, para lidar com o ímpar. E impor-se como tal, além de dar trabalho (a tal da conta quebrada), causa estranhamento. E quase todos os que vivem em par não se conformam com a condição dos que ainda vivem ímpares. Às vezes, ainda que inconscientemente, incomodam-se com a solidão alheia como se a felicidade dependesse do par, como se só fôssemos completos se estivéssemos ao lado da cara-metade. Esquecem-se de que já nascemos números inteiros. Todo mundo quer encontrar um par, é verdade, mas, independentemente disso, precisa aprender primeiro a ser ímpar.
Há dezenas, centenas, milhares de pessoas, por exemplo, que ficam com qualquer par porque nunca se aceitaram ímpar e, não raro, acabam numa regra de três. Há par que, apesar de admirar quem sabe estar ímpar, não tem coragem de ser feliz sozinho e prefere a infelicidade ao quadrado. Mas é preferível ser um ímpar em evidência a tornar-se um par nulo.
É sendo ímpar que tornamo-nos números positivos, temos a chance de nos conhecer melhor, de sermos independentes no bom sentido, de aprendermos a respeitar nossas vontades e observar que existem outras diferentes das nossas, de desenvolvermos nossa tolerância e de entender melhor o que é privacidade… nossa e dos outros.
Ir sozinho aos lugares, por exemplo, é espantoso para quem é par. Claro que ir em par é mais legal, mas, na falta de um, não se pode deixar de fazer as coisas. “Ué? Você veio sozinha?! Cadê seu namorado?”, como se minha presença como número inteiro estivesse pela metade. “Caramba! Você foi viajar sozinha? Você é corajosa!”, como se isso fosse uma incógnita na cabeça de quem só pensa em par. Há quem viva em par mas que só sai se for em par. Uma coisa é querer ir aos lugares com a cara-metade por apreciar a companhia dela; outra é querer ir com ela apenas por não saber ou não conseguir ir como unidade.
O ímpar atrapalha, como se fosse um elemento não contido no conjunto. Para ele sempre falta cadeira (porque sempre se está esperando um número par) e sobre ele impõe-se uma aura de melancolia gratuita: “Coitado, é sozinho”. Sempre fazem a conta errada… o produto do cálculo deveria ser está sozinho.
Ainda que esse ímpar viva assim para o resto da vida por motivos que só o Universo conhece, sabendo ser ímpar — no sentido de “único”, “sem igual”, “autêntico” — e estar ímpar, enquanto não acha seu par, ele vai ser feliz, porque se basta a si mesmo e não vai esperar que alguém o complete. Quando encontrar seu par, ele vai poder se doar, inteiro, porque, em vez de se subtraírem, se completarem, eles vão se somar e saber dividir.
2) A solidão transforma os ímpares em números primos se são sozinhos. E separa os pares.
O outro verbo de ligação, o ser, é mais radical. Se alguém é sozinho, sua condição de ímpar (no segundo sentido, de não-par) deixa de ser transitória para configurar-se infinita. Ele será ímpar sempre, ainda que viva em par. Não raro, apresenta sérias dificuldades em se relacionar com os outros porque quer tirar raiz quadrada de tudo e está sempre saindo pela tangente. Torna-se número primo, mais chato ainda, só divisível por si mesmo ou por um. Mais egoísta, impossível.
É sozinho quem, mesmo cismando em viver em par, não sabe estar ímpar. Torna-se um número irracional(1), um número negativo, um mero segmento de reta. Espelha-se no outro, espera do outro, depende do outro, projeta cem por cento de suas expectativas no outro, não respeita o outro como diferente porque, em vez de dois inteiros que decidiram viver juntos, pensa serem metades se completando, tendo de pensar e se comportar como uma única unidade. Esquecem-se de que nasceram dois e de que, como tal, já eram inteiros assim.