sábado, 16 de maio de 2009

Tempestade de almas

... Estou liberta ou perdida! Vou-lhes contar um segredo: -A vida é mortal. E nós mantemos esse segredo em mutismo( silêncio) cada um diante de si mesmo porque convém, senão seria tornar cada instante angustiante... Tenho que falar pois falar me salva. Mas não tenho uma só palavra a dizer. As palavras já ditas me amordaçaram a boca. O que é que uma pessoa diz à outra? Fora: "como vai?", Se desse a loucura da franqueza, que diriam as pessoas umas as outras? E o pior é o que se diria uma pessoa a si mesma... Mas seria a salvação, embora a franqueza seja determinada no nível consciente e o terror da franqueza vem da parte que temos no vastíssimo inconsciente que me liga ao mundo e à criador inconsciência do mundo.
Hoje é noite de muita estrela no céu, pelo menos assim promete esta tarde triste que uma palavra humana salvaria. Abro bem os olhos, e não adianta: -apenas vejo. Mas o segredo, este não vejo nem sinto.
A eletrola(rádio) está quebrada e não viver com música é trair a condição humana que é cercada de música. Aliás, música é uma abstração( distração) do pensamento...
O futuro é meu enquanto eu viver... Tudo o que nunca se fez, far-se-á um dia? O futuro da tecnologia ameaça destruir tudo o que é humano no homem, mas a tecnologia não atinge a loucura; e nela então o humano do homem se refugia... Quantas mentiras sou obrigada a dar... Mas comigo mesma é que eu queria não ser obrigada a mentir. Senão, o que me resta? A verdade é o resíduo final de todas as coisas, e no meu inconsciente está a verdade que é a mesma do mundo... Não há lógica, se, se for pensar um pouco na ilogicidade perfeitamente equilibrada da natureza, e na da natureza humana também. (Clarice Lispector)